quinta-feira, 29 de setembro de 2016

"A PESSOA COM DEFICIÊNCIA NA MINHA ESTÓRIA DE VIDA"


Nasci em 1960, numa pequena cidade no interior de São Paulo.

Em minha infância, o universo restrito ao círculo familiar e à escola, não convivi com pessoas "diferentes".

Minha memória só registrou a imagem de um rapaz, anônimo e solitário sempre, adolescente quando eu era criança, que costumava subir e descer a rua da casa de meus pais, com dificuldade em movimentar-se, por sequela de paralisia infantil , em ambas as pernas. 

Eram as pessoas "excepcionais" ou "mongolóides", como se comentava naquela época.

Já adulta e morando em São Paulo, no trabalho e na faculdade, passei a ter contato com portadores de deficiência e a conhecer um pouco de suas dificuldades e desafios.

Mas o contato significativo, que alterou meu olhar, deu-se quado levei um dia meu carro a uma oficina. Estacionei à porta e entrei no páteo, onde estavam alguns carros. No mais próximo, um rapaz estava debruçado sobre o motor, mexendo com chaves de parafuso, o capô aberto.

Ao pedir sua atenção, ele ergueu-se e virou-se para mim. Percebi então que era cego.

Ele me cumprimentou e disse-me "Suba aquela escada ali, e fale com o meu patrão". Subi, contratei o serviço, e não consegui deixar de comentar que estava intrigada com o rapaz cego que trabalhava no motor, ali em baixo.

"O melhor mecânico que já conheci", disse-me o jovem dono da oficina. "Cuidadoso, detalhista, sabe escutar o motor como nenhum outro. Ele os monta e desmonta, conhece todos os parafusos".

Por estas estranhas coincidências que a vida nos apronta, alguns anos depois, um de meus irmãos passou a morar também em São Paulo. Convidou-me um dia para almoçar em um restaurante, pois queria apresentar, a mim e à minha irmã, um amigo seu.

Luis Alberto, cego, formado em Administração, professor da ESPM, orientador de mestrandos. Lia e comentava as monografias de seus alunos em um aplicativo em seu celular. Com extensa experiência de vida, que morou e trabalhou no exterior. 

Analítico e crítico, dono de uma memória fora do comum, antenado nas notícias dos últimos acontecimentos, Luis é dessas pessoas que quando cruzamos para um papo não saímos dele os mesmos. Passamos uma tarde toda reunidos e ele compartilhou conosco muitas das suas histórias.

Em dado momento, comentei sobre o rapaz que havia conhecido, na oficina de automóveis.

"Meu irmão ?" Disse-me Luis Alberto, "Você conhece meu irmão?"

Soube depois que eram 3 na família, ele tinha também uma irmã, instrumentista em sala de cirurgia, no HC.

Luís está hoje aposentado. É fundador, há muitos anos atrás , de uma associação denominada "Meus olhos têm 4 patas", que treina cães guias para cegos.